25.01.2022 | Categoria: Amamentação

Amamentar é resistência: um pouquinho de história

Uma mulher que recebe seus filhos nos braços hoje não estará lidando apenas com a sua própria dificuldade para amamentar.
Me explico: a dificuldade em achar a posição correta, a peleja da pega, a dor das fissuras, tudo isso acontece naquela mulher com seu filho no colo. Mas essa é uma história que não começa nela.

A desconstrução da amamentação é fator histórico e social.
A dúvida sobre ter leite suficiente ou não, o medo de não saber fazer e aquela sensação conflitante de que a amamentação briga com seu lugar de mulher no mundo: é cultural.
Aqui vai um pouquinho de história pra te ajudar a compreender isso.
Amamentar já foi considerada tarefa indigna para uma dama. Dama da elite não amamentava de jeito nenhum. Os portugueses chegaram aqui e se impressionaram com as índias com seus filhos pendurados, os seios de fora, a livre demanda. Tá na carta de Caminha, sabia? Ele relatou que as índias andavam “com um menino ou menina no colo, atado com um pano (não sei de quê) aos peitos”.

Foi estranho. Não era “civilizado”.
Na consolidação do capitalismo era preciso impor uma disciplina de trabalho. Era preciso moldar corpos para o trabalho. Era preciso reproduzir para avolumar populações minguadas pela peste e pela fome.

A caça as bruxas se insere nesse contexto. A alienação das mulheres em relação ao seu próprio corpo também. A transformação do ser feminino em fábrica de reprodução. A perseguição a quem ousasse saber sobre métodos contraceptivos. A retirada das parteiras da cena do parto, a entrada dos médicos. Tudo nesse contexto.

Tô resumindo em um parágrafo alguns séculos de história. Mas tô falando de um período que foi uma derrota histórica para as mulheres.
Adivinha o que mais que entra aí nesse contexto?

Acertou quem respondeu amamentação.

Amamentação não dá lucro, mas sempre quiseram lucrar com esse fenômeno. Primeiro, com as amas de leite. Alugavam-se mulheres negras escravizadas para esse fim. “Com ou sem os filhos”, diziam os anúncios. Elas procriavam e o corpo delas fabricava o leite que ia para os filhos de outras mulheres. E seus próprios filhos? Mais um item de valor na coleção do senhor de escravos?
Talvez a gente tenha aí um recorte interessante, de uma parte das mulheres, as negras, que nunca pararam de amamentar. Mas não seus próprios filhos.

Corta pra um pouquinho mais tarde e aí quem veio? As fábricas de produtos alimentícios. Aquela que importava leite condensado e vendia como se fosse melhor que leite materno. Aquela que distribuía mamadeira e latas e mais latas de leite em pó para populações miseráveis que não tinham acesso a condições básicas de higiene para limpar as mamadeiras. Aquela que vestia vendedoras com roupas de enfermeiras e visitava mães recém paridas para explicar que “caso o leite não fosse suficiente, toma aqui essa lata”.

Quem entende um tiquinho de amamentação sabe que quanto menos o bebê mamar no peito, menos a mãe vai produzir leite. Quanto mais alimento artificial ele receber, menos ele vai mamar no peito e aí começa a bola de leve do pouco leite, do leite fraco. Entenderam de onde vem a epidemia do “não tive leite”?.

Eu não estou inventando nada disso. Tudo isso é verdade e é só micro pedaço de uma história que começou muito antes de nós e que não termina em nós.
Mas essa história se materializa em nós quando parimos um bebê.

Não começa em nós.
Mas muda a partir de nós.
Amamentar é resistência.

Pra quem quiser saber mais: “Amamentação e o desdesign da mamadeira”, de Cristine Nogueira Nunes, e “Amamentação: um híbrido natureza-cultura”, de João Aprígio Guerra de Almeida.

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